A culpa são de pequenos coágulos que o vírus cria. O ar entra e sai
normalmente do pulmão, mas o oxigênio não chega onde precisa chegar.
Alguns pacientes graves de
Covid-19 não sentem falta de ar, mesmo quando os níveis de oxigênio no sangue
já estão bem baixos. Isso faz com que a doença passe despercebida no início – e
quando o paciente chega no hospital, a situação está tão crítica que ele logo
precisa ser entubado.
Esses não são todos os casos –
afinal de contas, estima-se que 80% dos infectados pelo coronavírus tenham
sintomas leves ou não apresentem sintoma nenhum. Mas a frequência com que esses
quadros
se repetem preocupam os médicos. Mesmo se existissem respiradores
suficientes para internar quem precisa, o entubamento é um processo de risco
que nem sempre consegue salvar o paciente.
Uma das hipóteses que explica
esse comportamento estranho no corpo é a formação de coágulos nos pulmões. O
sangue forma pequenos sólidos que servem como “tampão” quando algum vaso
sanguíneo é rompido. Isso geralmente ajuda a estancar sangramentos, mas ele
também pode causar trombose, que é quando esses coágulos bloqueiam o fluxo do
sangue pelos vasos.
No caso da Covid-19, cada vez
mais estudos mostram que a doença pode causar esses trombos em pacientes que
evoluem para quadros mais graves. Isso explicaria por que a pessoa não sente
falta de ar, mesmo já estando com níveis baixos de oxigênio: o ar entra e sai
normalmente do pulmão, mas o oxigênio não chega onde precisa chegar, por conta
da falta de irrigação.
Esses pequenos coágulos também
ficam entre os alvéolos pulmonares e os vasos sanguíneos. Os alvéolos são
“saquinhos” para onde vai o ar que você respira. Lá é justamente onde o pulmão
pega o oxigênio do ar e passa pro sangue. Com o “bloqueio” no meio, menos
oxigênio entra no sangue, causando o que os médicos chamam de “baixa saturação”
(sangue que carrega menos oxigênio do que deveria).
De quebra, isso explicaria os
sintomas dermatológicos da doença, os famosos “dedos de covid” (mas que também
podem se manifestar em outras áreas do corpo). Com a irrigação sanguínea obstruída,
os dedos adquirem um tom avermelhado ou roxo, como tem sido observado em
pacientes.
pneumologista Elnara Negri é
pesquisadora da Universidade de São Paulo e atua no Hospital Sírio-Libanês e
Hospital das Clínicas. Ela percebeu algo estranho quando entubou um paciente
com Covid-19, no final de março. O pulmão dele parecia estar funcionando
normalmente, bem flexível, o que é incomum para um quadro de desconforto
respiratório agudo.
Tanto a SARS quando a MERS, duas
outras doenças graves causadas por coronavírus, provocam uma inflamação no
pulmão. Os alvéolos se enchem de células mortas e pus, deixando o pulmão mais
rígido. Assim, fica difícil fazer a ventilação por meio dos respiradores,
porque o pulmão está duro demais para fazer o movimento.
Não foi o que a médica percebeu
com o novo coronavírus. Ela entrou em contato com outros pesquisadores da USP,
Paulo Saldiva e Marisa Dolhnikoff, que estavam fazendo autópsia dos pulmões de
pessoas que morreram pela Covid-19. Eles perceberam focos de hemorragia em
vasos sanguíneos do pulmão – que estavam relacionados aos microtrombos que
mencionamos antes. O artigo com a análise das autópsias foi revisado por pares
e aceito para publicação no Journal of Thrombosis and Haemostasis.
A pergunta que resta é por que o
coronavírus causa esses coágulos. Segundo Negri, o vírus entra pelo sistema
respiratório e destrói as células que revestem os alvéolos e os brônquios. É
como se eles ficassem em carne viva, e isso atrai a atenção do corpo para
aquela região. Lá é liberada uma substância chamada fator tecidual, o que ativa
a coagulação no pulmão. O mesmo acontece quando você se corta e o corpo manda
as substâncias para estancar o sangramento e formar aquela “casquinha” na pele.
Mas ativação da coagulação nos pulmões forma trombos que obstruem os pequenos
vasos sanguíneos do órgão e causam todas aquelas complicações.
A inflamação e acúmulo de células
mortas no pulmão – quadro típico da SARS e MERS – também pode acontecer com a
Covid-19, se ela evoluir para os estágios mais graves. “Isso pode acontecer nas
fases finais da doença se o processo trombótico não for contido no início.
Inicialmente observa-se menos inflamação dentro do alvéolo e mais trombose nos
vasos pulmonares. Se ela não for freada, ocorre necrose tecidual, inflamação,
infecção bacteriana secundária e evolução para a síndrome respiratória aguda”,
diz Elnara Negri.
Fonte: superinteressante
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