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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

VERGONHA! STF DÁ PODER DE DECISÃO PARA CONGRESSO SOBRE AFASTAMENTO DE PARLAMENTARES

Numa pantomima farsesca ontem à noite, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – em especial a presidente Cármen Lúcia, a quem coube o voto de Minerva – salvaram a pele do senador Aécio Neves e dissiparam a crise institucional com o Congresso. Mas aplicaram um golpe decisivo no combate à corrupção e na Operação Lava Jato.
Numa ação por iniciativa de aliados do governo Michel Temer – os partidos Progressista (PP), Social Cristão (PSC) e Solidariedade –, cabia ao STF decidir se, no caso dos parlamentares, o Judiciário poderia aplicar, sem autorização da respectiva Casa Legislativa, as medidas previstas no Código de Processo Penal (CPP) não vedadas explicitamente pela Constituição.
O artigo 53 da Carta – que estabelece a imunidade parlamentar – afirma que um deputado ou senador só pode ser preso em caso de flagrante e crime inafiançável – situação em que os autos devem ser
enviados, num prazo de 24 horas, ao Senado ou à Câmara. Estes podem manter ou suspender a prisão, por voto da maioria.
Desde 2011, o CPP estabelece, no artigo 319, punições alternativas à prisão: comparecimento em juízo, recolhimento noturno, proibição de acesso a locais ligados às infrações, de contato com pessoas específicas, de viagem, apreensão do passaporte, fiança, monitoração eletrônica e, em seu inciso VI, a suspensão do exercício de função pública (no caso de parlamentares, o mandato). O artigo 312 regula ainda as condições em que um juiz pode determinar a prisão preventiva.
Havia consenso entre os ministros do STF de que prisões preventivas não são aplicáveis aos parlamentares. Desde o início, contudo, as medidas do artigo 319 provocaram um racha na Corte. De um lado, o relator Edson Fachin, apoiado pelos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Luiz Roberto Barroso e Celso de Mello, defendeu a autonomia do STF para aplicá-las.
A divergência, iniciada pelo ministro Alexandre de Moraes, depois ampliada pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, usou diversos argumentos e pretextos jurídicos para defender a submissão das punições ao Congresso, nos casos em que afetassem o exercício do mandato parlamentar.
Cabia a Cármen Lúcia desempatar. O voto dela foi uma das exposições mais vacilantes e obscuras no conteúdo jurídico – e mais claras na sujeição à pressão política. Cheio hesitações, vaivéns e argumentos convolutos, lembrou uma daquelas figuras fractais cujo comprimento tende ao infinito e cuja área – ou substância – tende a zero.
De início, Cármen afirmou ser favorável à aplicação de todas as punições do artigo 319 sem necessidade de autorização do Parlamento, com exceção do inciso VI, que permitiria a suspensão do mandato. Mas como, se o STF adotou, e por unanimidade, justamente essa punição contra o ex-deputado Eduardo Cunha no ano passado? E se há um deputado que exerce seu mandato, mesmo tendo sido condenado por falsificação de documento e estando preso em regime semi-aberto (Celso Jacob/PMDB-RJ)?
Para justificar o caso Cunha, Toffoli sugeriu que a suspensão do mandato poderia ser adotada em caso de “superlativa excepcionalidade” – e enfatizou o adjetivo. Ao longo de toda a votação, era evidente no bastidor a preocupação com o caso de Aécio, condenado na Primeira Turma do STF a recolhimento noturno e proibido de viajar, no inquérito da Lava Jato que apura, entre outros eventos ligados à delação da J&F, a propina de R$ 2 milhões que ele foi flagrado pedindo ao empresário Joesley Batista. 
Antes de proferir seu voto, o ministro Gilmar Mendes fez uma crítica dura ao ex-procurador Rodrigo Janot e desqualificou todos os casos derivados da delação dos irmãos Batistas. A certa altura da noite, quando nem Toffoli nem Gilmar estavam mais no plenário, o ministro Lewandowski inquiriu Cármen explicitamente sobre sua opinião em relação ao recolhimento noturno. Citou o caso de "um senador".
De tergiversação em tergiversação, volta em torno de volta, Cármen foi cedendo à pressão de Lewandowski e, sobretudo, do ministro Alexandre de Moraes. Fachin, com quem ela dissera ter concordado em “quase tudo”, fez questão de afirmar, com todas as vênias, rapapés típicos do Supremo, que não, ela discordara dele no essencial: a possibilidade de o STF suspender o mandato.
Naquele momento, Fachin ainda não havia perdido totalmente o apoio de Cármen no caso das medidas aplicadas a Aécio. No duelo entre um Moraes incisivo e um Fachin refratário a aceitar menos que o apoio total, ela mudou de opinião e cedeu ao primeiro. Aceitou incluir em seu voto também as punições determinadas contra Aécio.
Para conciliar as sutilezas entre as diferentes posições no plenário relativas ao artigo 319, coube ao ministro decano, Celso de Mello, mesmo tendo sido voto vencido, formular a redação que salvou a pele de Aécio: “Apenas no caso da imposição de medida que dificulte ou impeça, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato, a decisão judicial dever ser remetida, em 24 horas, à respectiva Casa Legislativa para deliberação, nos termos do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal”.
Tal redação é vaga o bastante para permitir que quase toda punição adotada pelo STF contra um parlamentar seja submetida à Câmara ou ao Senado. Que tipo de medida impede “direta ou indiretamente o exercício regular do mandato”? Recolhimento noturno? Provavelmente. Proibição de viagem? Também. Proibição de contato com outros réus? Idem. Sempre haverá uma interpretação para sujeitar as punições do artigo 319 ao referendo do Legislativo.
Apesar de todos os cuidados para preservar sua autonomia, o STF abriu mão da prerrogativa de instância maior na decisão de questões constitucionais, aquela que tem o direito a “errar por último”, como afirmou Ruy Barbosa, citado por Celso de Mello em seu voto. Evitou, é verdade, uma crise maior com o Congresso. No próximo dia 17, um Senado feliz deverá livrar Aécio das punições previstas no CPP.
Mas o STF abriu também uma avenida para livrar a cara dos políticos acusados na Lava Jato. O relator da operação,, ministro Fachin, se vê limitado na possibilidade de impôr punições aos corruptos. Sob o manto de preservar a imunidade garantida pela Constituição aos parlamentares, o Supremo acabou por ampliar a (já ampla) esfera da impunidade.

Fonte:  Helio Gurovits/ Globo.com

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